Um papo técnico sobre o pedal Klon Centaur

O handmaker Guilherme, da empresa Collateral Handcrafted Effects, escreveu um texto bastante técnico e esclarecedor sobre os mitos que rondam o famoso e lendário pedal Klon Centaur, criado por Bill Finnegan e vendido a preços astronômicos hoje em dia. Fiz algumas correções e adaptações e inseri algumas ilustrações visando deixar o texto mais claro.

Os clones, o Klon, a mística e aquela coisa toda
por Guilherme Collateral (janeiro de 2018)


Em meados de 2008, quando estava iniciando minhas aventuras como curioso no mundo do DIY (Do it Yourself) aplicado aos pedais de guitarra, o panorama social do país era diferente, e, claro, isso afetava as preferências de mercado por aqui. Apesar de então já haver handmakers (latas de sardinha, EFX, PD Efeitos, Stardust, Plan 9, e algumas outras pequenas empresas cujos nomes não me vem à memória agora), este era um mercado que ainda engatinhava nas terras tupiniquins - e muita gente via o que era feito aqui como um paliativo até ter o dinheiro pra comprar o "real deal". Os pedais mais desejados nos fóruns eram quase unanimes: Fulltone OCD, Fulldrive, Barber Direct Drive... não iam muito além disso. Mais ou menos nessa época os fóruns de guitarristas e de handmakers, principalmente nos EUA e Japão, fervilhavam com especulações acerca de uma marca e pedal meio obscuros, conhecidos apenas em círculos muito específicos de guitarristas: Siberia Klon Centaur.


Hoje em dia quase todo mundo sabe da hype e do altíssimo valor de mercado que cercam o pedal com o centauro desenhado (ou não), e apesar do circuito já ter sido traçado e cuidadosamente medido (engenharia reversa) por vários handmakers ao redor do mundo - incluindo aqui este que vos fala - de alguma forma reside um misticismo reverberado ad infinitum nos fóruns internet afora. Antes de tudo, é necessário esclarecer algumas coisas: NA ELETRÔNICA ANALÓGICA FEITA EM ESCALA NÃO INDUSTRIAL (e de modo geral, mesmo na industrial), SE UM FABRICANTE USA COMPONENTE X OU Y EM UM PEDAL, É ABSOLUTAMENTE POSSÍVEL COMPRAR E USAR EXATAMENTE ESTE MESMO COMPONENTE EM UM OUTRO PEDAL. Não existe um "capacitor do Klon", "resistor da JHS", "circuito integrado do Tube Screamer". Praticamente tudo que é feito dentro do universo analógico os pedais de guitarra, é feito usando componentes compráveis ao redor do mundo.
Outra coisa a ser esclarecida é a seguinte: TODO COMPONENTE tem uma tolerância à variação nominal do valor: resistores metal film tendem a variar dentro de 1% para cima ou para baixo. Carbon Film, 5%. Capacitores? Há os Audio Grade, que normalmente oscilam entre 5%, há os de 10% de tolerância, chegando aos 20% nos eletrolíticos. O mesmo vale para a resistência dos potenciômetros, pro ganho beta (hFE) dos transistors, foward voltages nos diodos. TODOS COMPONENTES EM TODOS OS PEDAIS DO UNIVERSO estão sujeitos à estas variações de tolerância - e é exatamente isso que você está pensando: dois pedais IGUAIS, feitos na mesma fabrica, no mesmo dia, pelo mesmo trabalhador, VÃO SOAR pelo menos minimamente diferentes entre si. Pode testar, pegue dois Fuzz Face, dois Big Muffs, dois TS9. Se analisar o espectro sonoro (ou se tiver bons ouvidos), vai dar pra ouvir diferença. Essa é a EXATA razão pela qual um clone pode não soar absolutamente idêntico ao pedal "original". 

Eu estou dizendo que todos os clones do mercado vão ser a mesma coisa do pedal original, então? Não, não estou. Algumas marcas e séries de componentes são melhores que outras, oferecem menos ruído, maior fidelidade sonora (que pode OU NÃO ser uma vantagem/desvantagem), maior durabilidade. 
Alguns handmakers fazem substituições (digamos, substituir um LM833 por um TL072, que é bem mais barato e que SOA DIFERENTE), ou usar um potenciômetro Logarítimico no lugar de um Linear (e COMO isso acontece nos pedais handmades feitos aqui no Brasil!). Ou um Tonebender feito com transistores escolhidos aleatoriamente, sem testes cuidadosos, ou um Phase 90 feito com jfets não casados (pesquisem o termo). Estes são fatores que farão um "clone" destoar do projeto original, mas não pelo simples fato de serem clones - e sim por serem "clones" (entre aspas, mesmo, por não serem reproduções precisas). Pesa aí também o fator síndrome-de-vira-lata, através do qual não enxergamos como possível um (ou mais, no caso) brasileiro importar componentes de alta qualidade e fazer um produto competitivo com o que é feito no exterior, muitas vezes exercendo tais julgamentos sem jamais ter testado o produto e sem entender um nada de eletrônica. A nível mundial, voltamos no Klon: especificamente, os diodos do Klon. A grande maioria dos usuários assíduos do pedal o utilizam praticamente limpo - um dos grandes truques/méritos do pedal reside no uso de um "charge pump", que transforma os 9v que alimentam o pedal em -9v/+18v (valores aproximados, e que, pasmem, variam de unidade para unidade), o que gera o sensacional headroom que fez o pedal ser tão famoso. O que ninguém te conta (e que pouca gente sabe), é que nessa porção do giro do potenciômetro de ganho, os misteriosos diodos (que, segundo o próprio Bill Finnegan, são os comuns 1n34A, mas que, mais uma vez segundo o próprio Bill Finnegan, misteriosamente vieram de um lote que não pode mais ser comprado) SEQUER ESTÃO EM AÇÃO NO CIRCUITO DO PEDAL. Isso mesmo! Os diodos só entram em jogo à medida em que o som do circuito (e não do amplificador sendo por ele empurrado, vale dizer) é distorcido. Interessante, não?
Diodo 1n34A

Em todas as áreas do conhecimento, existe o obscurantismo, a necessidade de acreditar numa mitologia que foge à explicação do real. Em muitas áreas, eu consigo entender a necessidade pela busca de explicações incríveis, mas não na eletrônica. Questionam pagar 7, 8, 9 mil reais em um Klon original. Se a explicação de quem compra é a raridade do pedal, a vontade de ter um original por fetiche, colecionismo, eu entendo - cada um tem suas prioridades financeiras. Se a explicação vem do circuito "protegido" com a resina epóxi (que sai com alguma facilidade com um estilete, um soprador térmico e algumas ferramentas mais) ou dos diodos inobtíveis, a conversa é outra. É papo de louco. Em teoria, vivemos a era da informação: a internet está aí e é um banco de dados praticamente infinito sobre todas as áreas do conhecimento. Eu não acho que todo mundo (nem mesmo os guitarristas) tenha a obrigação de ter um amplo conhecimento de eletrônica, mas acho de muito bom senso que, para se formar uma opinião sobre assuntos tão específicos, se faça pelo menos uma pesquisa em fontes confiáveis. Eletrônica não é mágica, é uma ciência - muitas vezes regida pelo acaso, pela descoberta, pelas diferenças de tolerância nominal nos componentes, mas ainda assim, uma ciência. Procurem saber mais e disseminar menos bobagem na internet. 

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